Friday, November 04, 2005

Decisão errada...

"Can u take me high enough?"
Consegues ?

Procurou no bolso, a sua mão trémula mal conseguia agarrar no porta-chaves, enquanto a sua visão desfocada não ajudava a distinguir a chave certa. Cambaleou um pouco, apoiando-se na porta e evitando aquela que teria sido provavelmente a queda mais afortunada da história. Deu um passo atrás e pontapeou violentamente a porta uma série de vezes, mas a porta de madeira maciça mantinha-se impassível, em tom de desafio.
Após várias tentativas francamente frustradas conseguiu abrir a porta precipitado-se cambaleante para o quarto. Sentou-se em cima da cama e deitou as mãos à cabeça, os efeitos do ácool eram só suplantados pelo seu desespero.
O telemóvel tocou, e ele conhecia aquele toque, só o tinha para uma pessoa... para ela, a última pessoa com quem queria falar naquele momento, a mesma que ele tinha visto com o seu novo pior inimigo naquela noite. A mesma que ele amava e odiava com a mesma intensidade.
Atirou o telemovel contra a parede, deixando-o completamente desfeito. Naquele momento podia ter adormecido. Devia ter adormecido. Mas não adormeceu. Em vez disso dedicou os seus pensamentos ao caos em que julgava encontrar a sua vida, sentindo-se cada vez mais miserável.
Abriu a mesinha de cabeceira e de lá retirou uma pistola. Era do pai dele, já hà algum tempo que se queria livrar dela, não apreciava aquele tipo de coisas, no entanto naquele momento ela estava lá, e ao lado uma pequena caixa metálica que o pai usava para guardar as balas. Carregou a pistola e numa espécie de movimento mecânico apontou-a à cabeça. Naquele momento parou de tremer e fechou os olhos. Apareceu-lhe imediatamente a imagem dela com ele. Não conseguia sopurtar isso. Desejou ser ele a estar na imagem, desejou que nada tivesse acontecido, mas nem por um momento desejou nunca a ter conhecido.
Esteve algum tempo com a pistola apontada à cabeça, a pensar em tudo quanto havia de mau na sua vida, e especialmente nela. Tomou uma decisão que o fez voltar a tremer, desta feita com maior intensidade. Ia suicidar-se naquela mesma noite.
Mal tinha tomado a decisão já estava arrependido. Pensou em como estava a ser egoista, pensou em todas as pessoas que gostavam e dependiam dele e pensou que também ela iria sentir falta dele. Sim, tinha a certeza, ela amava-o. Só podia estar a dramatizar. Uma noite, simplesmente uma noite, tinha-lhe corrido mal, mas ele era feliz. A vida dele não era assim tão má. Pensou em tudo isso, tarde de mais... já não tremia. A fracção de segundo em que premiu o gatilho pareceu-lhe uma eternidade. Parecia impossível que só tivesse descoberto a sua felicidade no momento em que tinha uma bala a entrar-lhe na cabeça. Esta ironia foi o seu último pensamento, e caiu no chão, morto, com um sorriso...
Nunca chegou a perceber a real magnitude da ironia de que tinha sido vítima. Nunca soube que momentos depois, a mesma pessoa que o tinha feito suicidar-se ia aparecer em casa dele a implorar-lhe que a perdoasse. Nunca teve conhecimento dos segredos guardados pelo telemóvel desfeito no chão. Nunca viveu para saber que tomou a decisão errada.
Mas não fazia qualquer diferença, ele tinha parado de tremer...

"How many times can a man turn his head and pretend that he just doesn't see ?" (Bob Dylan)

5 Comments:

Blogger A Monochromatic Kind of Man said...

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2:00 PM  
Blogger A Monochromatic Kind of Man said...

E então? Como se não houvesse amanha. E então? Como se tudo não passa-se de um pesadelo de um dia.
E então? Como se o suicidio dele... não, realmente o mais certo é que ele tenha imaginado que momentos depois ela viria... não acredito que tenha vindo, ela para mim nunca veio... E eu que ja morri assim tantas vezes.

Abraço Amigo

2:04 PM  
Blogger  said...

Este texto toca-me por motivos que não importam.
Numa palavra: realista.


___

"E no entanto é nessa falta de lógica que assentas uma grande parte de ti. Queres mesmo achar ténue a única parte da tua alma que aparentemente queres que subsista? a tua "pontaria", essa sim, não é mais relevante que um estado de espírito."

Se pensares tudo aquilo que nos compõe são filamentos cruzados de nulidades, de acasos. São eles que te sustêm aqui. No entanto, são nadas. tudo é fraco sabes disso. sabemos disso. Porque haveremos de engrandecer coisas que não o são? Tudo é fraco mas pode tornar-se forte, dependerá sempre da força que impregnas em cada acto teu. Amas alguém? esse sentimento só se torna sólido pelo que dás de ti, pela forma como o dás, porque na realidade senão o alimentares de forma correcta ele desfalecerá.
tudo é ténue.

5:42 AM  
Blogger  said...

ahahah continuo mesmo :)

Miguel Torga diz " A vida é feita de nadas" e eu entendo-o tão bem.

11:05 AM  
Blogger Pedro Emanuel said...

uma morte sublime....

muito shakespeare (escrevi bem?)

...


tas la puto

10:00 AM  

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